Mais um tom de criatividade





Não sou uma crítica literária, mas sou uma crítica. Não me aguento mais em silêncio, ao presenciar, diariamente o "efeito cinquenta tons de cinza" e então, eis-me aqui, gastando o meu latim ...acerca disso.

Depois da trilogia de E.L. James (Cinquenta tons de cinza, Cinquenta tons mais escuros e Cinquenta tons de liberdade), as editoras têm despejado no mercado uma avalanche de livros catalogados como "literatura erótica". Escritoras como Sadie Matthews, Sylvia Day, Megan Maxuell, Katie Ashley dispararam a escrever títulos (mui sugestivos) como: "Toda sua", "Irresistível", "Intenso", "Para sempre sua", "A proposta", "Peça-me o que quiser ou deixe-me ir" (oi?!), "Te esperarei por toda a minha vida" (só que não) ou os super criativos: "Chamas na escuridão", "Segredos na escuridão", "Promessas na escuridão", enfim, apagaram mesmo as luzes.

O mais ultrajante é que suas autoras só mudam um ou outro detalhe, mas em suma, tudo se resume em um cara lindo, podre de rico, mimado e egocêntrico e em uma mulher comum, de autoestima duvidosa, longe de ter uma beleza estonteante. Por algum motivo essas duas criaturas se esbarram: ele se interessa obcecadamente por ela _o patinho feio da história_ que não acha possível atrair um cara tão "deus" assim. Então ele, com todo o poder que o dinheiro pode dar a alguém a intima para uma conversa de negócios e a propõe sexo sem envolvimento. Ela se sente afrontada, reluta, mas aceita. Daí pra frente vêm os capítulos de narrações detalhadas de atos sexuais, do mais light ao mais exótico, perpassando por sadismo, masoquismo e humilhações, em jogos sexuais de regras muito definidas, detalhadas uma a uma em contrato.

Com o passar do tempo, o poderoso chefão (me perdoa, Coppola!) começa, por si mesmo a quebrar algumas regras, demonstrando _muito discreta e duvidosamente_ apego pela sua propriedade que, à essa altura, já está perdidamente apaixonada pelo seu dono.

O primeiro livro sempre termina com o casal separado, tentando entender o quê está havendo. No segundo livro, o playboy não se aguenta e vai atrás dela. Eles reatam, abrindo mão de muitas regras _o que ela agora impõe_ e eles sucumbem a algo mais parecido com um relacionamento convencional. Já o terceiro e derradeiro das trilogias... Ah, chega de dar spoiler. Se você (como eu) leu os Cinquenta Tons, já tem propriedade absoluta para falar sobre qualquer um deles.

Se essa mulherada de 40-50 anos (perfil das autoras) resolveu expor suas fantasias pro mundo inteiro ler, ok! No problem! Entretanto, duas coisas me decepcionam muito nisso. A primeira é a cara de pau das seguidoras de E.L. James em não se darem ao trabalho de criar uma narrativa diferente. Plagiadoras de carteirinha, registradas em cartório e com firma reconhecida, elas disputam deslavadamente quem é mais depravada ao escrever, basta abrir um de seus títulos em qualquer página para constatar suas baixezas (manuseie um livro desse com muito cuidado, pode emanar algo dele.)

A segunda coisa que me decepciona é a quantidade de mulheres que vão, diariamente, à livraria (trabalho numa) em busca dessa pornografia pobre, gentilmente catalogada de "literatura erótica". As mulheres chegam ávidas pelo próximo lançamento, na mesma proporção em que os homens vão atrás do GTA V ou do Call of Duty, lançado nessa semana.

Isso me dá uns nós na caxola e me faz questionar algumas coisas aqui, com meus botões, como: o quê, meu Deus, há de tão fascinante num homem de perfil arrogante, mimado, cheio de distúrbios psicológicos decorrentes da sua infância, que fazem dele um homem controlador, frio, que não quer se envolver sentimentalmente com ninguém? Que faz uma mulher assinar um contrato cheio de regras a serem cumpridas, incluindo absurdos como estipular a quantidade de comida que ela pode ingerir diariamente... (oiiiii?!)

Por que é sempre um cara extraordinariamente lindo e poderoso a se relacionar com uma mulher de beleza mediana? A pergunta é: esse cara existe?!

O quê as leitoras vorazes dos Cinquenta Tons _e seus milhares de semitons_ estão procurando?! (Não me digam "puro entretenimento" porque não cola.)

Qual é o sentido em ser atraída por esse tipo de domínio, que fere sua dignidade?!

E, o mais cômico de tudo: de todas as conversas confidenciais que já tive com minhas amigas, colegas de trabalho e tantas outras mulheres, posso dizer sem medo de estar exagerando, que pelo menos 7 em cada 10 mulheres adorariam ser procuradas sexualmente por seus parceiros tipo uma vez por mês (pra não dizer "por ano" ou "nunca"). A velhíssima desculpa da dor de cabeça ainda impera. Absoluta.

Então me parece no mínimo incoerente que mulheres tão desinteressadas sexualmente sejam consumidoras insandecidas de Christian Grey e seus pupilos.

Em suma, é patético ver tantas mulheres lendo sobre um assunto que, via de regra, elas nem gostam tanto assim (é óbvio que há exceções. Refiro-me à regra.)

Então a cena é essa: enquanto as mulheres devoram ferozmente as páginas da "literatura erótica" no quarto, os homens estão na sala matanto velhinhas e prostitutas no seu GTA. Fernando Pessoa, Eça de Queirós e Hilda Hilst empoeiram-se, abraçados, na estante e as cinquentonas desprovidas de criatividade _e cada vez mais milionárias_ continuam a escrever seus "romances eróticos" que mais parecem ficção fantasiosa.

C'est la vie!

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