Suspicious Minds

Suspicious Minds


Seu nome? Marina. O nome de sua insônia? Diego.

Marina e Diego se conheceram num desses acasos bem acasos mesmo. Não convém explicar esse acaso inocente agora, apenas basta dizer que logo se tornaram amigos. Viajavam muito, num trabalho temporário que tinham. Estavam sempre juntos, muitas vezes de mãos dadas. Em quase todas as viagens ele recostava a cabeça no ombro dela ou até mesmo se deitava em seu colo. Ela acarinhava seus cabelos, o queria muito bem. Sempre que podiam, contemplavam _deslumbrados_ o Sol se pondo, através dos vidros do carro.

No entanto, o tempo do trabalho chegou ao fim. Como eu disse, era temporário. Só que esse novo acaso, que mudou a multicolorida rotina de Marina e Diego, não os impediu de colorirem ainda mais a sua amizade que, definitivamente, desabrochou para além dos vidros do carro.

Tinham uma espécie de relacionamento tão simples e tão confusa de se entender! Eram amigos. Amigos que se telefonavam em plena manhã de terça-feira só para dar bom dia e ficavam mais de uma hora conversando. Depois sumiam um da vida do outro. Passavam uma semana, dez, dezoito dias sem se darem notícia.

Numa surpresa maravilhosa, ele aparecia no novo emprego dela, nos Correios, em pleno entardecer de quinta-feira. Ou de segunda. Nesse espaço de tempo, porém _entre um telefonema e uma visita repentina_, Marina mal dormia. Pensava em Diego mais que deveria. Como ele mexia com ela! Sonhava com Diego, ele era seu pensamento constante.

Num outro acaso da vida, se beijaram. Passaram a noite juntos, nada fôra planejado. No dia seguinte, eram ainda mais amigos. Não tocaram no assunto depois do ocorrido, mas ora! O que pode ser um relacionamento mais almejado pelos humanos que a amizade entre eles?! Amigos se ajudam. Amigos se apoiam. Amigos se escutam. Amigos se aconselham. Amigos se amam _não se amam?!

Depois daquela noite de explosão das cores da amizade colorida de Marina e Diego, no entanto, nunca mais, jamais tocaram no assunto. Marina passou a pensar ainda mais em Diego e nunca pôde saber dos efeitos daquela noite dentro dele.

Retomaram, etão, a amizade em cores neon, naturalmente. Diego a visitava esporadicamente nos Correios. A abraçava forte e demoradamente. Olhava-a com muita atenção, curiosidade e ternura. Beijava-lhe a cabeça, as mãos. Exaltava a sua inteligência e o seu senso de humor. Ela, por sua vez, ansiosa e feliz, desembestava a falar. Mal respirava, emendando uma ideia na outra. Diego pedia-lhe calma e ria. Genuinamente achava graça da vivacidade de Marina. Mas logo depois ele sumia e novamente ficava uma semana, dez, dezoito, vinte e cinco dias sem dar notícia.

Como Marina sofria!

Queria contato, queria notícia, queria a presença do Diego, queria o Diego! Mas se continha. Afinal de contas, para os padrões sociais ela já havia extrapolado o limite da (falsa) moral e dos bons (e falidos) costumes. Deveria se resguardar. Ao menos, tentar.

Dormira com ele. Dormira sem eufemismo: entregara-se a ele. E ele a ela?! Ela fez amor. E ele?! Teria feito sexo ou a amara também?! Como saber, se jamais tocaram no assunto?!

Os dias silentes eram, para Marina, de uma agonia sem fim. Queria procurá-lo, mas não podia. Queria telefonar para ele, mas evitava. E quando, enfurecida, decidia esquecê-lo de vez e colocá-lo no patamar de amigos-e-só-amigos, com um pressentimento infalível, Diego ressurgia. Bagunçava todas as gavetas da alma de Marina, que estava há dias tentando organizar-se. Ele sabia exatamente o que dizer para que ela parecesse importante _importantíssima!_ para ele. E sempre parecia que dessa vez Diego nunca mais se afastaria. 

Mas Diego sempre se afastava. Diego sumia.

Numa dessas súbitas aparições de Diego, Marina ficou tão entusiasmada, que decidiu comprar um presente para o seu amigo-muito-mais-que-só-amigo. Marina comprou-lhe um relógio. Não era dos caríssimos, não havia nada de especial naquele relógio senão as expectativas que seus frágeis ponteiros sustentavam. Marina sonhava com aquele relógio no pulso de Diego gritando-lhe, sutilmente, minuto a minuto, a saudade e a urgência dela. Sim, as intenções de Marina eram tão somente as de ser lembrada. Então, Marina, corajosa que só ela, comprou-lhe o relógio e, não satisfeita, confessou-lhe por telefone que havia lhe comprado uma lembrança, sem revelar-lhe de fato o que era. Diego mostrou-se feliz e até lisonjeado com a notícia, mas só. Sumiu pelos minutos, horas, dias e semanas que se seguiram. 

Muito aparentemente, sem saudade alguma de Marina.

Marina guardou com cuidado a caixinha embrulhada em papel vermelho luminoso no fundo de uma gaveta. Nos primeiros dias _quando ainda aguardava por um telefonema ou por uma visita de Diego_, ela pegava a delicada caixinha com tamanha perícia, a acarinhava como se fosse o próprio rosto de Diego e puxava na memória os detalhes do relógio que a caixinha guardava.

No entanto, os dias foram avançando. Diego viajou para a Austrália com a família e sequer procurou Marina para se despedir.

Como esse descaso a resignou! Como Marina se sentiu desimportante! Nem amiga-e-só-amiga-nada-mais-que-amiga ele a considerou.

Então, dia a dia, a imagem de Diego ia esmaecendo na memória e no querer de Marina.

Entre um acaso e outro porém, um dia Marina reparou em Marcel, seu colega de trabalho, que já a notava (e a queria) havia um bom tempo. Marcel e Marina tinham disparidades e simbioses gritantes. Isso a desafiava.

Noutro dia, por um acaso mais que proposital, Marcel e Marina se beijaram, num contexto muito bonito, que também não convém revelar agora. Passaram a noite inteira conversando. Não entregaram seus corpos, mas entregaram suas almas.

Muito rapidamente Marcel entrou de vez na vida de Marina, que sacudiu para sempre a vida de Marcel.

Até que Diego reapareceu, mas Marina já havia o colocado no patamar de amigo-e-só-amigo-nada-mais-que-amigo. Tornara-se indiferente. Diego estranhou, reclamou, mas Marina realmente já não se importava se ele ligava, se ele existia ou deixava de existir.

Numa tarde de domingo, Marcel e Marina estavam na casa dela, rolando no chão entre as almofadas espalhadas, brincando de cócegas e lutinhas, depois de assistirem ao "Antes do Amanhecer" _o filme preferido dela_, que passou a ser um dos preferidos dele também.

Depois que perderam o fôlego várias vezes, Marcel se levantou e foi à cozinha para beber água e se recompor. O telefone de Marina tocou _e como ela adorava aquele toque! Suspicious Minds, do Elvis!_. Ao telefone, era uma colega de Marcel e Marina, que lhes dava uma informação importante, que era preciso anotar. Então Marina, no chão, entre as muitas almofadas, pediu a Marcel, que estava em pé, bem próximo à cômoda, que pegasse uma caneta e um bloquinho na gaveta. Mais ao fundo estava a caixinha de papel vermelho reluzente, já esquecida.

Quando Marina encerrou a ligação, Marcel pegou a caixinha e num tom de pura leveza perguntou-a o que era. Marina meneou a cabeça e disse que não era nada de mais, que o que estava ali não tinha a menor importância _e não tinha mesmo. Marcel então colocou a caixinha no fundo da gaveta novamente e correu para beijar Marina, que o esperava com seus braços para o alto e com o seu sorriso mais bonito.

O mundo de Marina já não cabia mais dentro de uma caixinha bem intencionada.

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