Copa das Copas: Qual é a tua?

       
A Copa de 2014 está se divulgando como a "Copa das Copas". Estratégias de marketing à parte, eu discordo. Para o meu pai, por exemplo, eu arrisco a dizer que a Copa das Copas foi a de 70. Me lembro de sempre ver pendurado na parede da varanda da minha casa um quadro com a seleção de 70 perfilada, antes de algum jogo, que não sei qual é. Meu pai sabia a escalação de cor e também os pontos fortes e fracos _se é que havia_ de cada um. Ele sempre se refere, até hoje, à Copa de 70 com muito entusiasmo e um quê de encanto.


Foi por causa do meu pai que me interessei por futebol. Filha única, eu queria estar o mais perto dele que pudesse. Daí comecei a me interessar por F1, boxe e futebol. Começamos pelo básico: "pai, vou torcer pro vermelho ou pro azul?" "E o vermelho faz gol pra cá ou pra lá?" E ele, com sua paciência orgulhosa, foi me ensinando até que eu entendesse quando é um impedimento, o que é uma obstrução, um gol olímpico, uma 'cama de gato', uma 'caneta'. Hoje eu poderia, seguramente, narrar uma partida de futebol. Conheço as regras e sei reconhecer uma boa jogada.


Enfim, obrigada, pai! Realmente o futebol nos rendeu grandes momentos juntos!

No entanto, para mim, a Copa das Copas foi a de 94, realizada nos Estados Unidos. Eu tinha 13 anos e verdadeira paixão por futebol. Sabia os grupos _país por país_ de cor. Sabia o nome dos destaques de cada um e, lógico, os 22 nomes da seleção brasileira. Reservas e titulares, eu os conhecia por nome, número de camisa e posição. 



Naquela época eu estava aprendendo a fazer tricô. Eu assisti a todos os jogos da Copa de 94 (exceto aos do Brasil, claro) tecendo a minha primeira blusa de tricô. Ela era azul marinho, de ponto arroz e eu a tenho até hoje. 



Nas vésperas da Copa de 94, eu aprendi uma receita de pipoca com açúcar e Nescau e, a primeira vez que eu a fiz foi na estreia do Brasil, contra Camarões. Passei, então, a fazer pipoca de Nescau em todos os jogos do Brasil, de modo que, pra mim, a Copa de 94 tem cheiro de pipoca de Nescau.


Durante a Copa, eu viajei para Minas com a minha mãe, para passarmos as férias. Sim, eu levei o meu projeto de tricô e continuei a fazer a tal pipoca de Nescau. 

Eu era fã do Branco, o lateral esquerdo, da camisa 6. Ele fez um gol salvador contra a Holanda, gol que ele mesmo batizou de 'gol cala a boca'. Acho que todo mundo se lembra daquela partida. Estávamos empatados em 2 x 2 e precisávamos vencer para seguir até à final. Branco fez seu gol de falta, foi lindo! Choramos, aliviados. Mas aquele 09 de julho me marcou profundamente de outra maneira também. Eu estava na sala da casa da minha tia, ainda em Minas, sozinha. Meus primos tinham ido para a rua, mas eu queria manter a intimidade com a partida que só a solidão permite. Fiz a minha pipoca de Nescau e me empacotei no sofá, com cobertas e todos os agasalhos possíveis, naquela tarde mineira e gelada. No intervalo do jogo, fui ao banheiro fazer xixi e...


Surpresa!!! Coloquei a cabeça pra fora da porta e gritei, corredor afora: 'Mãããeee!!!'. Como dizem, eu havia ficado mocinha. Aquilo foi bastante confuso para mim (embora eu esperasse), mas deixei para pensar nisso depois do jogo. Voltei para o segundo tempo diferente, mas a menina-louca-por-futebol imperou. Sempre que eu revejo aquele chute do Branco, o Romário se esquivando da bola e ela entrando no gol, me lembro da multiplicidade de sensações daquela tarde. Enfim, a minha menarca aconteceu durante um jogaço do Brasil na Copa de 94! E vencemos!



Dias depois voltei com a minha mãe para a nossa cidade, no ES, onde assisti à final contra Roberto Baggio e cia com o meu pai, em nossa casa. Cumprindo o meu protocolo, fiz pipoca de Nescau e assisti com ele àquele tenebroso 0 x 0. Não teve jeito, teríamos que encarar os pênaltis. Eu morri em todas as cobranças. Todas. 



Quando o Baggio chutou por cima do travessão e jogou o tetra em nosso colo, instintivamente eu enterrei a cabeça no peito do meu pai e chorei descontroladamente. Nunca sentira aquilo antes. Lembro-me de ter deixado encharcada a sua camisa de seda azul claro, que ficou rapidamente com uma enorme mancha azul escuro, totalmente grudada em sua pele. Depois que nos acalmamos, fomos à rua assistir à carreata e aos fogos, uma alegria indizível, imensurável. 



Poucos anos depois, eu vi o Brasil ser penta, mas não me lembro de muita coisa. A Copa de 94 foi a minha Copa, a "Copa das Copas". Eu estava com o meu pai, eu tecia sonhos em ponto arroz. Eu deixava de ser criança naqueles dias mágicos, que tinham cheiro de pipoca de Nescau.

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